Questão polêmica no âmbito do direito do trabalho diz respeito aos limites da flexibilização das condições de trabalho, por meio da negociação coletiva.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXVI, reconheceu os acordos e convenções coletivas de trabalho, e no artigo 8º, inciso VI, preceituou ser “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”, a significar que a negociação coletiva goza de amplo prestígio constitucional.
Tanto é assim que a Constituição Federal de 1988 ampliou as possibilidades de flexibilização das condições de trabalho, mediante convenção ou acordo coletivo, no artigo 7º do inciso VI (“irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”), XIII (“duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”) e XIV (“jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”).
Quanto aos limites dessa flexibilização, as opiniões se dividiram em quatro correntes doutrinárias, segundo Otávio Brito Lopes
a) a primeira, ampliativa, sustenta a possibilidade de negociação coletiva ampla e irrestrita, sob o argumento de que se é possível negociar os mais importantes aspectos da relação de emprego, que são o salário e a jornada de trabalho, então não há óbices à negociação que envolva outros aspectos, que seriam de menor importância;
b) a segunda corrente sustenta a possibilidade de negociação restrita aos direitos trabalhistas assegurados por lei, não alcançando aqueles de estatura constitucional;
c) a terceira corrente, intermediária, sustenta que os limites da flexibilização estão no caráter patrimonial dos direitos trabalhistas, ou seja, os direitos não-patrimoniais não podem ser flexibilizados;
d) a quarta e última corrente, mais restrita, admite como objeto de flexibilização apenas o rol de dispositivos constitucionais que expressamente prevêem a possibilidade de alteração dos parâmetros constitucionais através de negociação coletiva: redutibilidade do salário, compensação de jornada de trabalho e ampliação da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento.
Apesar da existência de opiniões variadas sobre a questão, há unanimidade em relação ao fato de a negociação coletiva ter que respeitar as condições mínimas de trabalho previstas na Constituição Federal (ex: salário mínimo, férias, descanso semanal remunerado de 24 horas, etc..); as normas de ordem pública (exemplo: normas de segurança e medicina do trabalho); as normas que tratam de interesse de terceiros (exemplo: FGTS, contribuições previdenciárias e fiscais), por serem normas inderrogáveis por vontade das partes e os direitos e garantias fundamentais, dentre eles o princípio da dignidade humana e o princípio da valorização social do trabalho.
Cumpre destacar, no entanto, que nem mesmo o Poder Judiciário definiu, de forma indene de dúvida, as matérias trabalhistas que podem ser objeto de flexibilização por meio de convenção e acordo coletivo, havendo decisões variadas sobre questões idênticas.
Segundo o ministro Gelson de Azevedo, o Tribunal Superior do Trabalho já apreciou acordos coletivos e convenções coletivas versando sobre as seguintes questões: a) ausência de registro de horário (artigo 74, parágrafo 2º, da CLT – Consolidação da Leis do Trabalho); b) hora noturna com 60 minutos, sem alteração do adicional de 20% (SDC - artigo 73, parágrafo 1º, da CLT); c) horas do segundo motorista não remuneradas; d) revisão das decisões que fixaram condições de trabalho, somente após dois anos de vigência, diante de mudanças das circunstâncias que as inspiraram (SDC, artigo 873, da CLT); e) hora in itinere padronizada em uma hora (vinculação: Súmula 90/TST); f) turnos de trabalho 12 x 36 em hospitais; g) dilação do prazo para registro do contrato de trabalho na CTPS (SDC – art. 29 da CLT); h) natureza indenizatória da ajuda-alimentação; i) credenciamento de portuários conferentes de carga e dobra de turnos de trabalho.
Da observação de alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho, extraímos a conclusão de que, em se tratando de direitos patrimoniais, é possível a flexibilização por meio de convenção ou acordo coletivo fora das hipóteses especificadas na Constituição Federal, como por exemplo, a fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco pela via negocial (Súmula 364, inciso II).
Verifica-se, também, de maneira mais patente, que em se tratando de normas que visam resguardar a saúde e a integridade física e mental do trabalhador, especialmente as normas de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantidas por normas de ordem pública, não podem ser objeto de flexibilização por meio de negociação coletiva, estando a título de exemplo, as várias manifestações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da impossibilidade de redução do intervalo intrajornada, que culminaram na edição da Orientação Jurisprudencial 342:
“INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva”
No acórdão proferido pela Seção Especializada em Dissídios Individuais-1, no processo E-RR-480867/98, cujo relator foi o Ministro Milton de Moura França (ementa publicada no DJ 27.08.2004), o Tribunal Superior do Trabalho fez expressa menção à necessidade de observância dos limites constitucionais da flexibilização:
“...não se pode reputar como válido o ajuste que suprime ou prevê a não-concessão de intervalo para repouso e alimentação. Isso porque prevalecem os dispositivos do Capítulo II da Seção III da CLT, em que se inserem o art. 71 e parágrafos, que cuidam dos períodos de descanso, porque contemplam preceitos de ordem pública e de natureza imperativa”
“Visam eles resguardar a saúde e a integridade física do trabalhador, no ambiente de trabalho. Como normas de ordem pública, estão excluídas da disponibilidade das partes, que sobre elas não podem transigir. De outra parte, à luz dos princípios que regem a hierarquia das fontes de Direito do Trabalho, as normas coletivas, salvo os casos constitucionalmente previstos, não podem dispor de forma contrária às garantias mínimas de proteção ao trabalhador, previstas na legislação, que funcionam como um elemento limitador da autonomia da vontade das partes, no âmbito da negociação coletiva”
Reforçando esse entendimento, o Tribunal Superior do Trabalho, em vários julgados firmou a convicção de que são inválidas as cláusulas de normas coletivas que prevêem folga com lapso superior a seis dias de trabalho, por considerar que o dispositivo constitucional que garante semanalmente um período de descanso de 24 horas ao trabalhador, tem o escopo de proteger-lhe a saúde física e mental e por isso não pode ser objeto de flexibilização por meio de negociação coletiva, conforme se vê da seguinte ementa:
“REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. ESCALA DE TRABALHO COM 7 DIAS E FOLGA NO 8º DIA. VALIDADE DA COMPENSAÇÃO. I O art. 7º, XV, da Constituição Federal prevê a concessão de repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Na esteira do referido dispositivo constitucional, há que ser garantido semanalmente um período de 24 horas de descanso ao trabalhador, com o escopo de proteger-lhe a saúde física e mental. Dispositivos legais que objetivam proteger a higidez física e mental dos empregados não estão afetos à negociação coletiva, na medida em que se referem a normas cogentes e de ordem pública. Nesse sentido, as Turmas desta Corte têm firmado a convicção de que são inválidas as cláusulas que prevêem folga com lapso superior a seis dias de trabalho, conforme se depreende dos seguintes julgados: TST-RR-703.235/ 2000.5, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva; TST-RR-115.957/2003-900-01-00.8, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva; TST-RR-969/2004-035-03-00.0, Rel. Ministro Ives Gandra. II - Recurso provido” (Processo TST-RR-731/2007-107-08-00, Ac. 4ª Turma. Relator MINISTRO BARROS LEVENHAGEN. DJ 07.03.2008)
Outra questão importante a ser observada é a concessão de vantagens para se admitir a redução de direitos trabalhistas, por meio de instrumento coletivo, pois é inadmissível que o sindicato abra mão de direitos assegurados em lei, sem qualquer vantagem para a categoria profissional, já que não se admite a renúncia a direito. A transação de direitos patrimoniais, contudo, é permitida.
Igualmente relevante é a participação do sindicato representativo da categoria profissional na negociação coletiva e a aprovação, pela assembléia dos trabalhadores, das condições de trabalho negociadas com a empresa, de modo a afastar qualquer vício de consentimento. |
Fonte: Última Instância, por Aparecida Tokumi Hashimoto ( Advogada sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados ), 01.12.2008